quinta-feira, 2 de abril de 2009

LUZ DEL FUEGO


Luz Del Fuego Uma mulher que viveu à frente de seu tempo: Polêmica - exótica - sexy - determinada

Dora Vivacqua nasceu em Cachoeiro do Itapemirim, no estado do Espírito Santo, em 21 de fevereiro de 1917. Sendo a décima quinta filha de Etelvina e Antônio Vivacqua, Dora, aos três anos de idade, foi levada para Belo Horizonte, em Minas Gerais. Lá, Dora conheceu o serpentário do Instituto Ezequiel Dias e este passou a ser o seu passeio preferido. Em 1929, as seis filhas mais velhas do casal Vivacqua já estavam casadas. Etelvina resolveu então voltar para Cachoeiro de Itapemirim e ficar perto do marido. Nessa época, Dora entrava na adolescência e seu gênio era fortíssimo, revelando um temperamento que iria marcar sua vida para sempre.Em 29 de agosto de 1932, a vida aplica um golpe em Dora: Seu pai foi assassinado em Cachoeiro do Itapemirim por pessoas que, dias antes, ele havia despejado de um dos seus inúmeros terrenos. Rubem Braga e seu irmão, Newton Braga, foram os primeiros a chegarem ao local do crime. Aos quinze anos de idade Dora se sentia auto-suficiente e sufocada em Cachoeiro. Nem mesmo a cidade de Vitória lhe era conveniente. Sonhava com uma dimensão maior para sua vida: Queria ir para o Rio de Janeiro. Desprendida, escandalizava as pessoas ao desfilar pela praia de Marataízes de calcinha e bustiê improvisado com lenços. Naquela época, a menina já dava sinais de sua determinação e sua abominação ao uso do sutiã.Com a morte do pai, a mãe de Dora voltou para Belo Horizonte levando-a consigo. Dora ficou pouquíssimo tempo, indo logo em seguida para o Rio de Janeiro, sob a tutela de seu irmão Attilio.

Aos 19 anos começou a viver um romance com José Mariano Carneiro da Cunha Neto que pertencia a uma das mais ilustres famílias do Rio de Janeiro.O irmão Attilio, desaprovando, separou o casal mandando-a de volta para Minas. Foi uma atitude bem intencionada, porém, um novo escândalo estabeleceu-se na família: Sua irmã Angélica a flagrou, em sua própria cama, com seu marido Carlos, um dos maiores empreiteiros do Brasil à época.O empreiteiro, experiente, ardiloso, conseguiu justificar-se junto à maior parte da família e Dora foi qualificada de esquizofrênica. Foi internada no Hospital Psiquiátrico Raul Soares, em Belo Horizonte, por dois meses.Um dos irmãos de Dora, Achilles, da ala minoritária que não se deixou convencer pelo cunhado, o enfrentou, proibindo-o de voltar à casa dos Vivacqua. Preocupado com o estado em que Dora saíra do hospital, dez quilos mais magra, em apenas dois meses, Achilles a convenceu a passar uma temporada na fazenda de Archilau, outro irmão, quatorze anos mais velho do que ela.Na fazenda, Dora gozava de plena liberdade, até que apareceu praticamente nua para o filho do administrador da fazenda, responsável em acompanhá-la onde quer que fosse. Dora se cobria apenas com três folhas de parreira presas nos seios e no púbis e duas cobras-cipós como braceletes. Foi repreendida por Archilau e, numa demonstração de grande rebeldia, jogou-lhe um vaso de cristal na testa ferindo-o. Foi novamente internada, desta vez na Casa de Saúde Dr. Eiras, do Rio de Janeiro. Achilles interveio mais uma vez e a irmã Mariquinhas resgatou Dora, levando-a para morar com ela em Cachoeiro. Por pouco tempo. Dora fugiu para o Rio de Janeiro. Era novembro de 1937. No Rio de Janeiro, Dora retomou seu romance com Mariano mas não aceitou oficializar a relação. Aventurou-se como pára-quedista, mas foi logo proibida por Mariano. Apaixonada, abdicou do aprendizado e viu no pedido do amado, uma demonstração de amor. As desavenças começaram quando Dora decidiu fazer um curso de dança na academia Eros Volúsia. Um novo golpe na vida de Dora. Em dezembro de 1942 morreu seu irmão Achilles, o único que tentava entende-la e protege-la.

O surgimento de Luz del Fuego
O ano de 1944 marcaria o início da trajetória daquela que seria o símbolo de uma época em que todos buscavam a maneira mais fácil e cômoda de viver. Sensacionalismo ou pura extravagância? Dora estreava como "Luz Divina", no palco do picadeiro do Circo Pavilhão Azul, praticamente nua, em companhia do casal de jibóias Cornélio e Castorina.Em 1945, a Segunda Guerra estava chegando ao fim e Dora anotava suas experiências pessoais em um diário. Naquele tempo havia treinamentos de black-out que deixavam Copacabana às escuras, "preparando-se para imaginários ataques dos inimigos".Luz Divina, como era chamada na época (1947), por sugestão do amigo e palhaço Cascudo, mudou seu nome para Luz del Fuego, nome de um batom argentino recém-lançado no mercado. A imagem do "fogo" representava bem sua nova opção de vida, já que antes ela era "água viva" (Vivacqua). Luz foi contratada pela primeira vez para o teatro pelo casal Juan Daniel e Mary Daniel, donos do Follies, um pequeno teatro em Copacabana. Suas falas ficavam sob a responsabilidade de um jovem que, aos doze anos, ingressava na carreira artística: Daniel Filho.

A Notoriedade de LuzExcêntrica, muito inteligente, LUZ, como ninguém, soube usar a mídia a seu favor. O espetáculo "Mulher de Todo Mundo" fez muito sucesso. Ela começou a ser divulgada na imprensa e, mesmo não usando o nome Vivacqua, isso incomodava à família. Attilio havia sido eleito senador e o fato da irmã ser dançarina o atrapalhava politicamente. A publicação do diário intitulado Trágico Black-Out., foi outro motivo de transtorno para o irmão. A obra era considerada escandalosa, com trechos comprometedores, como a sedução pelo cunhado e fatos que aludiam a uma prostituição assumida. Attilio conseguiu comprar mais da metade da edição, um mil exemplares e destruí-los queimando. Luz escandalizava não só pelo teor do livro, mas por constar da orelha da capa o anúncio de um segundo livro intitulado Rendez-vous das Serpentes.No carnaval de 1948, quase levou o prefeito do Rio de Janeiro à loucura, ao tentar entrar no Teatro Municipal onde a Prefeitura realizava seu fabuloso baile, vestindo apenas suas duas cobras. O fato foi registrado por um fotografo indiscreto e, no dia seguinte, os jornais estampavam a foto da moça. Desse dia em diante ela ganhou notoriedade, enchia as páginas dos jornais. Era aplaudida e criticada ao mesmo tempo. Passou a ser considerada um "Anjo do Mal" pelos eternos defensores da moral que viam nela um perigo, a imagem da luxúria, com seus rebolados e suas cobras. Outros a aplaudiam e, em entrevista concedida a um importante jornal ela declarou o extraordinário interesse das mulheres quando ela se exibia em público.

Os ideais de nudismo, naturalismo e vegetarianismo registrados no diário de Luz, Trágico Black-Out, começaram a tomar forma, serem colocados em prática.Sua filosofia de vida ia completamente de encontro ao que preceituava as normas de boa conduta. Ela quebrava todas as regras, destruíra tabus. Era um problema e ao mesmo tempo, era um caso nacional. Imoral ou não.Um fato pouco divulgado nas biografias de Luz foi a aquisição que fez em São Paulo de um pombo de estimação. A avezinha, estranhamente, vivia e convivia em harmonia plena com as serpentes de Luz. Muito afeiçoada a seus animais, onde quer que ela estivesse, seja na casa, no teatro ou no hotel, lá estavam eles, recebendo cuidados especiais da dona quanto à alimentação e à saúde. Luz começou a, efetivamente, praticar o nudismo. Não o isolado, mas o coletivo, reunindo um pequeno grupo de amigas na praia de Joatinga, próximo a sua casa na avenida Niemeyer. Apesar de ser uma praia de difícil acesso, a notícia se espalhou e a polícia interveio e prendeu os participantes, dentre eles Luz, Domingos Risseto, os transformistas Miss Gilda e Miss Lana.

Mais uma vez a moça se deu conta de que o nudismo lhe asseguraria estar em evidência. Publicou o livro A Verdade Nua, também autobiográfico e no qual lançava as bases de sua filosofia naturista. A família não precisou se preocupar desta vez, porque as próprias autoridades deram sumiço no livro. A segunda edição foi vendida por reembolso postal. O dinheiro serviria para arrendar uma ilha na qual instalaria a sede de seu clube naturalista.No início dos anos 50, Luz Del Fuego causava furor por onde passava. Passou a ser conhecida em todo o país. Seus shows eram garantia de bilheteria certa e levavam todos ao delírio.

Era o tempo das vedetes: Mara Rúbia, Virgínia Lane, Dercy Gonçalves e Elvira Pagã, sua maior rival. Luz chegou a ser capa da revista Life, nos Estados Unidos.Extremamente generosa, Luz doava rendas de seus shows para instituições beneficentes fazendo leilões de si mesma. Foi multada e detida para interrogatórios várias vezes, por atentado ao pudor e desacato à autoridade. Seus irmãos se projetavam na política, no comércio e na área artística. Ela era inconveniente, o parentesco era inoportuno para eles e a perseguiam cada vez mais. Attilio comprava edições inteiras de revista nas quais Luz aparecia e perdeu as eleições para governador no Espírito Santo (o adversário espalhara cabos eleitorais fantasiados de padres que andavam pelo interior do estado apregoando que o senador Vivacqua era irmão de uma mulher demoníaca). Luz tirava proveito da situação e, quando necessitava de dinheiro, ameaçava dançar nua nas escadarias do Senado. Attilio a chamava de chantagista, mas ela argumentava estar apenas cobrando a parte que lhe surrupiaram da herança paterna. Decidiu então entrar para a política. Fundou o P.N.B., Partido Naturalista Brasileiro e conseguiu isto à custa de espetáculos gratuitos, seminua, nas escadarias do Teatro Municipal. O único preço que se pagava era lançar o nome na lista colocada à porta do teatro. Luz Del Fuego colheu, nada menos de 50.000 assinaturas por esse Brasil afora.O memorial do PNB foi entregue pessoalmente por Luz a Salgado Filho que lhe garantiu passa-lo ao então senador Getúlio Vargas para os procedimentos necessários.O sonho de Luz Del Fuego, entretanto, se desfez em chamas. Durante a última viagem de Salgado Filho ao Rio Grande do Sul, quando ia entregar o memorial, houve o horrível acidente no qual pereceu o político e o memorial foi destruído pelo fogo.Sem o memorial e o apoio de algum figurão da política, foi fácil para Attilio conseguir que o partido não fosse registrado. Luz não esmoreceu em seu ideal de criar um local próprio à prática do nudismo. Seduziu o ministro da Marinha para conseguir a cessão de uma ilha para a sede de sua colônia. Conseguiu a ilha de Tapuama de Dentro, que tinha dois terços de seus oito mil metros quadrados formados de rochas, além de cactos e arbustos secos. Sentiu-se enganada e com vontade de desistir, mas isto não era de sua natureza. A Ilha do Sol , na segunda metade dos anos 50, passou a ser uma das grandes atrações do Rio de Janeiro, apesar de não fazer parte dos roteiros turísticos oficiais. Várias estrelas do cinema americano lá estiveram: Brigitte Bardot, Glenn Ford, Lana Turner, Ava Gardner, Tyrone Powel, César Romero, Errol Flynn e Steve MacQueen, que encerrou sua temporada de uma semana na ilha depois de acordar com uma das jibóias de Luz sobre seu peito. Nos anos 60, estando as reservas financeiras de Luz terminando e a idade chegando esta passou a viver na e para a Ilha do Sol. O encanto estava se quebrando e o mito começou a desaparecer. Seus amantes já não eram homens influentes e ricos. Começou a se envolver com pessoas de nível duvidoso. Júlio, um pescador musculoso e analfabeto, com quem manteve uma relação de muitos meses. Para que ele fosse vê-la diariamente, Luz sustentava sua família em Paquetá. Seu último amor foi o guarda portuário Hélio Luís da Costa. Casado e com dois filhos, mandava o dinheiro de Luz para casa enquanto passava suas folgas na ilha. Os amigos tentavam alerta-la. Ela respondia que não se preocupassem e arrematava: "Eu sou uma Luz que não se apaga".Os irmãos Alfredo Teixeira Dias e Mozart "Gaguinho" armaram uma emboscada para Luz del Fuego no dia 19 de julho de 1967. As ações criminosas de Mozart haviam sido apontadas à polícia por Luz, e ele queria se vingar. Atraiu Luz ao seu barco e a matou. Fez o mesmo com o caseiro Edgar. O crime só foi desvendado duas semanas depois, a partir do depoimento que um coveiro deu aos jornalistas Mauro Dias, do jornal O Dia e Mauro Costa, do jornal Última Hora. Alfredo foi preso e confessou a participação nas mortes.


Fonte: Livro Luz del Fuego - A Bailarina do Povo, de Cristina Agostinho

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