Nasceu em 11/08/1911, na Fazenda do Frade, no município de Cachoeiro de Itapemirim, no Estado do Espírito Santo, filho de Francisco Carvalho Braga e Raquel Coelho Braga. Poeta, cronista, jornalista, advogado. Fez os estudos primários no Colégio "Nossa Senhora da Penha", na "Escola do Centro Operário e de Proteção Mútua", em frente à casa dos pais, na rua 25 de março, em Cachoeiro e os secundários no Colégio "Pedro Palácios".Bacharel em Direito pela Universidade de Minas Gerais, em 1932, foi colega de Cyro dos Anjos, Guilhermino César e Tancredo Neves. Iniciou-se no jornalismo ainda estudante em Belo Horizonte, escrevendo reportagens e crônicas nos "Diários Associados". Foi também na capital mineira que publicou seus primeiros poemas.Na volta a Cachoeiro passou a dirigir o jornal "Correio do Sul", fundado por seu irmão Armando e tornou-se titular de Cartório. Manteve também, durante algum tempo, na imprensa do Rio de Janeiro, uma coluna de crítica literária e, no Suplemento Literário do "Diário de Notícias", uma coluna de casos e epigramas. Em 1939 criou o "Dia de Cachoeiro", que desde então é a maior festa da cidade, e que inspirou promoções idênticas instituídas mais tarde em quase todas as cidades do Espírito Santo e algumas de outros Estados. Em 1959 transfere-se para o Rio de Janeiro. Trabalhou como redator de publicidade e de jornalismo na TV Tupi, como copy-desk e redator do "Mundo Ilustrado", onde escrevia sob pseudônimos. Foi chefe do Serviço de Relações Públicas da Secretaria de Saúde do Estado. Trabalhou na Rádio Ministério da Educação, publicou artigos em revistas como "Chuvisco", "Publicidade e Negócios" e "Senhor". Faleceu. no dia 01/06/1962, aos 51 anos, no Rio de Janeiro. É o patrono da cadeira n. 2 da Academia Cachoeirense de Letras. Amante da vida provinciana, imortalizou Cachoeiro de Itapemirim, através de suas crônicas e poemas. Num preito à memória de Newton Braga, a Academia Cachoeirense de Letras criou um prêmio com seu nome, denominando-se a instituição, daí em diante, Casa de Newton Braga.
OBRAS:
"Lirismo perdido" (coletânea de poemas publicados na imprensa capixaba, mineira e carioca, durante mais de 10 anos) - Leitura, Rio de Janeiro, 1945.
"Histórias de Cachoeiro" ( visão panorâmica dos principais aspectos históricos, geográficos, sociais e literários ligados a sua cidade natal) 1947.
"Cidade do interior" (contém uma seleção dos casos e epigramas, publicados no "Diário de Notícias", do Rio de Janeiro), Cadernos de Leitura/MEC, Rio de Janeiro, 1959.
"Poesias e Prosa" (volume póstumo, organizado por seu irmão Rubem Braga, incluindo textos e poemas das obras anteriores, além de novos casos e epigramas. Editora do Autor, Rio de Janeiro, 1963.
Traduziu Gente da Terra, de Agnes Smegley, para a Editora Leitura.
POESIAS:
NAMORADOS
Quis ser sincero uma vez. Tomei-lhe a mão entre as minhas,- como nas velhas baladas -pousei meus olhos nos seus,- como nas velhas cantigas -e lhe falei, docemente, verdades desconsoladas:- Tu não me és indispensável mas me fazes bem.Eu te quero um pouco de amor, um pouco por hábito.Não és a que eu esperava, mas sentirei, se tu partires.Percebi uma promessa de lágrima nos olhos dela e meacovardei:- Mentira, querida. Tu és o meu primeiro, o meu único amor;O meu sol, a minha razão de ser.Mentiras já tão bisadas...Tal qual nas velhas cantigasTal qual nas velhas baladas... ORAÇÃO
Quando o poeta sentiu que todos os deuseseram pequenos demais e feitos à feição humana,e que cada homem tinha um deus diferente,ora forte e cruel,ora fraco e impotente,ora todo vingança, ora todo perdão,então ele fez a si mesmo a sua oração:- Poeta, que eu seja sempre poeta,pela glória simples de ser poeta e de saber cantar;que me dês segredo da suprema ironiae da profunda piedade,e a soberba humildadede ser só e de saber sonhar. MOTIVO
Cadê, moço, aquela coragem de outros tempos,aquela ligeireza de gestos, tão elástica,aquela ousadia cheia de sorrisos confiantes?cadê, moço, a alegria ruidosa de antigamente,aquele ar seguro de triunfo de teus olhos,aquela espontaneidade, aquela despreocupação,aquele aprumo no andar?Quem te fez tão outro assim?Pensei, com tristeza, no outro eu que ficou lá para trás(tão longe...)Pensei com tristeza...Ia responder a tudo com um nome de mulher.Mas respondi apenas: A Vida. INFÂNCIA
Infância...Punhado de areia fina, alvae cristalinaque a gente tenta, em manhã de sol,fechar na mão,e que vai pouco a pouco, lentamente,se escoandopor entre os dedos esguios.Enfim,quando percebemos que já bem poucoresta do muito que tivemos, e queremosdeter na quedao pouco que sobrou, já não podemos...já é tarde demais...Era tão bomse a gente pudesse apanhar outro punhado... DESALENTO
Tarde. Pedaços de cor perdidos no céu.Nuvens claras, bojudas e leves,como grandes angorás sonolentos.Estremecimentos quase imperceptíveisno cajazeiro crespo.Andorinhas em revoluteios.A buzina de um carro que passa.Uma luz inútil e incolor.Mamoeiros erguendo as folhas para o céu,como cálices verdes.Crianças jogando bola de borracha.O relógio oficializa o crepúsculo,com cinco pancadas. SEGUE TEU CORAÇÃO
Ouve teu coração!Deixa que contra ti a voz do mundose levanteFalem as conveniênciasArgumente o raciocínio.Esquinas, abismos, avalanches, tempestadesjunquem o teu caminho, ferozmente,numa pesada maldição!E ruja o mundo, pare a vida, os céus desabem!Embora! Segue teu coração! VONTADE
Eu queria ser um pouco mais igual a todo mundo.Queria ser um sujeito simples,De ambições determinadas,De dores pouco profundas,De sentimentalismo menos doentio.Queria viver sem essas complicações interiores,Sem o martírio do pensamentoE da sensibilidade,Com a despreocupação ingênua dos primitivosE dos imbecis.Queria acreditar em todas as verdades femininas,Na sinceridade de todos os amigosE na pureza de todos os aplausos e de todas as pedradas.Queria ser amado, como toda gente,E, como todos, variar no amor, despreocupadamente.Eu queria ter a alma simples, simples.Tão simples que certamente numa tarde como esta,Eu diria para mim mesmo:Eu gosto da vida. A vida é boa.E é possível que eu acreditasse. EU, A VIDA E A MORTE NA ALAMEDA SEM FIM
Eu vou entre duas mulheres na alameda sem fime há risos e lágrimas, dores e alegrias,glórias e fracassos, fausto e miséria,encanto e melancolia, na alameda sem fim.Eu vou entre duas mulheres na alameda sem fim.A da frente é linda e má.É ela quem me guia na alameda de imprevistos.E porque ela é linda, e porque ela já me tem feito sofrer muito,eu não tenho coragem de abandoná-la.E eu vou, quase cego, na curiosidade e na esperançade seus lábios e de sua nudez.Eu vou entre duas mulheres na alameda sem fim.A que vem atrás de mim, eu não a conheço bem.É vaga, impalpável, imaterialEu as vezes tenho a impressão de que ela seja minha sombra.Tem gestos suaves de irmã de caridade,E acaricia, com a mesma ternura, grandes e pequenos,príncipes e mendigos, poetas e salteadores.Quando eu me cansar ela me levará nos braços.Eu vou entre duas mulheres na alameda sem fim. VELHA CANOA
A velha canoa recorda, na areia,de proa voltada para o mar,a vida tão cheia de coisas:-de flores e pássaros- na terra natal...o manso nordeste, a brisa terral,o sul perigoso, as horas difíceis de alto mar,as noites tão brancas de lua tão grande..."Patativa", "Fé em Deus", "São João", "Se Deus quiser","São Sebastião", "Divino", "Boa Sorte", "São Geraldo"...as outras canoas, mais moças que ela,não olham nunca para trás.Estão todas voltadas para o mar,pensando na saída de madrugadinhapara a pesca na enseada.As maiores vão lá fora, velas cheias, orgulhosas:muitas delas têm histórias que já podem ser contadas.Só a velha canoa nunca mais, nunca maisO mato miúdo da praiacresceu à sua sombra, vai se pegando nos seus bordos,vai fazendo a sepultura verde de seu casco.Lembra dos tempos de floresta,do seu anseio de partir, libertar-se das raízes,dos cipós, das trepadeiras.Lembra do eco dolorido da primeira machadada,das torturas dos serrotes, dos martelos e dos pregos...E da Festa do Divino, toda pintada de azul,toda enfeitada de papel de cores,de fitas e bandeirolas...E do choque da primeira onda...As tempestades que venceu... certas noites de luar...certas histórias de sereias...E aquela moça morena que de tardevinha p'ra beira da praiaesperar sua chegada...Trinta, quarenta anos, todo dia para o mar...Mas no fim de tanta vidaa proa de corta ondasfoi pelas ondas vencida.A velha canoa, na areia,quando o sol poenta silhieteia sua proa rebentadacomo se fossem dois braços estendidos para o mar,há de pensar, com certeza,na infinita tristeza de não poder mais navegar:-Se um dia a maré subisse, viesse aqui me buscar... QUANDO VOLTARES...
Quando voltares para o meu amor;quando a figura esguia de meus sonhosreaparecer materializadano teu corpo esguio de mulher;quando eu sentir, de novo, nos meus olhos,a brasa sob cinza de teus olhos,a palpitar, entre meus dedos, tua mão nervosa,a irradiar a vibração confusa de teu ser;- eu te direi, se conseguir falar,que não foi nada, para mim, esta distância,que sofri, com prazer, a tua ausência,que nem me lembro se senti saudades,se vivi inquieto, se me entristeci,e que isso tudo esmaece e se evapora,ante a alegria de te ver voltar. PERDOA, MÃE
Perdoa, mãe, se este poema provocar uma lágrima.(São tantas as que já te causei...)A noite caiu há pouco e eu estou só:é desculpável que eu tenha os olhos úmidos,Eu bendigo, mãe, tudo o que veio de ti,que é mais do que tudo que eu tenho de meu.Eu bendigo até mesmo essa tristeza que vemcomigoirremediavelmente,porque ela é mansa e doce,e porque ela me ensina a querer bem aos homens meus irmãos.Hás de ainda, talvez, lágrimas e lágrimasderramar por mim.E eu peço a Deus, mãe,que as lágrimas que eu chorar por ti,sejam somente de penado que penaste por mim. O MAL QUE TE DESEJO
Bem sabes que, se um dia, na estrada da vida,o destino me destacasse entre os humanos,como um eleito sobrenatural,e colocasse ao alcance de minhas mãos vaziasa flor raríssima e sonhadaque os homens chamam de felicidade,eu a colheria, carinhosamente,e iria depositá-la a teus pés,como oferenda de meu pobre amor.Bem sabes que, se eu pudesse captartodas as maravilhas do universo:- os mundos imaginários dos poetas,- os perfumes mais embriagadores,- as harmonias mais puras e mais sentidas,- a beleza da serenidade interior,- o segredo da alegria eternae da glória imortal;eu dar-te-ia tudo e me envergonhariade ser tão mesquinho.Bem sabes que, se eu percebesse que o meu amorte fosse um estorvo ou um aborrecimentoque o não descobriria mesmo quem descesseao mais fundo de meu ser.No entanto, eu te desejo um mal,eu te desejo um sofrimento enorme, sem remédio:- perdoa: que tu sentisses, de mim,a saudade que sinto de ti. A ALEGRIA DA CHUVA
E os poetas contam que a chuvaé o pranto da natureza,que é melancolia, que é tristeza.Mentira!Vê, lá fora, a alegria da chuva,a alegria das andorinhas moleques,em picolé, pega-pegas, esconde-escondes!Vê como as árvores têmsorrisos verdes de alegria,agitando os braços, como crianças satisfeitas!Vê a gritaria dos meninos,chapinhando as poças d’ água lá da rua!Vê o brinquedo alegredos pingos d’água nos fios elétricos!Vê...Vê essa carta que recebi do meu amor... E ENTÃO, CERTO DIA, POR ACASO...
...e então, certo dia, por acaso,nós nos veremos, de novo, frente a frente.Cada qual estará algemado a outros destinose parecer-nos–á que andamos às tontas, muitotempo,e que as estradas que julgávamos familiares e imutáveiseram mundos estranhos em que vivêramossonâmbulos.Um pequenino detalhe qualquer, vago, impreciso- o meu modo de olhar, teu jeito de sorrir,um gesto, uma expressão, um desses quês inapagáveis -reacenderá, talvez, por um momento,a memória de outros tempos e outros sonhos.Sim: apenas por um momento.Voltaremos logo ao presente, voltaremos apressadamente a nósmesmos,com teimosia e rancor,com o sobressalto, o desamparo, o desesperode quem, mesmo sabendo inútil, vão,quer impor, com o cérebro,o ritmo com que o coração deva bater.- e então cada qual continuará o seu caminho,pisando firme, com decisão, obstinadamente;- nenhum dos dois olhará para trás. CANTO DE GLÓRIA
Qualquer que seja o teu destino;quaisquer que sejam os rumos de nossas vidaspor mais desencontrados;por mais que o não queirase eu não queira;por mais que a sorte nos afaste;por mais que as multidões e os quilômetrosse interponham entre nós dois;por mais que tu me queiras odiare eu queira te esquecer,tu hás de ser sempre, eternamente,a amada do poeta.Sofrendo e cantandoeu te diferenciei de todas as mulherese, com a minha arte, eu te levarei,talvez não como tu és, mas como eu te criei,através das distâncias e através das gerações,na ronda secular das minhas emoções,futuro adentro, terras além! REVELAÇÃO
A gente vai vivendo...Um dia, de repente, sente-se um ar estranho em tudo,um sentido novo nas coisas da vida:- Como brilham as estrelas!- Que música tão triste!E certos pedaços de paisagens,certos minutos de fuga e abstração,um anseio vago, indefinido...Tudo vai tornando o jeito da revelaçãoe na alma há deslumbramentos súbitose vazios incompreensíveis.Percebe-se então, subitamente,que foi o amor que veio vindo, pouco a pouco,e tomou conta, totalmente,da alma da gente. FANTASIA DE MANHÃ CHUVOSA
A chuva molharia os teus cabelos,desceria em gotas pelo teu rosto,encharcaria o teu vestido.Tu virias tímida e arrepiada,e te chegarias muito a mim.Eu teria a impressãode um raio de sol inundando o meu jardim,povoando de maravilhas a minha solidão. NA NOITE MORTA
A insistência desse violão:(Na noite morta, fria, estrelada,como faz mal essa toadatriste, dolente, que erra no ar,que vem direta, fina, doente,envenenar a alma da gente!)A insistência dessa saudade!... FELICIDADES
e eu lhe dissesse tudo o que sentisse,- tudo o que o coração sente mas não diz - ,e se você sentisse tudo o que eu dissesse,que me faltaria, que lhe faltaria para ser feliz? MORTE
Morrerei criança.Aos poucos, lentamente, despercebidamente,Como uma vela que se extingue ao meio-dia.Assim...Nessa hora em que o sol põe molezas sonolentas no corpo,E há uma dormência pesada na natureza.Lençóis bem alvos.Janelas bem abertas.Morrer aospoucos...lentamente...despercebidamente...E a minha mocidade resignada se revoltará no último minuto:- Não! Eu não quero morrer.Quero viver! Viver!Há tanta coisa por viver!U'a mão passará leve, sobre minha fronte:- Fica quieto, meu filho. Dorme, eu estou aqui.Não fales assim, meu filho...E pensarão que adormeci... EU QUERO MINHA TRISTEZA
A criança está chorando.Desapareceu sua boneca feia, de pano,desajeitada e maltrapilha.Ofereceram-lhe bonequinhas carasque dizem papai e mamãe,que fecham os olhos para dormir,e que vivem vestidas de rendas.Mas meninazinha continua chorando,porque desapareceu sua boneca de pano.(Me deram amor, me deram alegria.Eu quero é minha tristeza.) VAZIO
Minuto vazio e estagnado da minha vida.Minuto sem nada.Nem dor. Nem vontade. Nem prazer. Nem esperança.Minuto vago como os três pontos de reticência...Não há motivo para um sorriso ou para um soluço.Não quero nada mas sinto que falta qualquer coisa.Minuto imóvel, refletindo o tédio da minha almacomo o pântano reflete, embaciada, a luz de um astro.Minuto infinito da minha melancolia... FUGA PARA NÃO SEI ONDEM
e leve, minha poesia.Me leve, para onde for.Quero partir com vocêpra fora deste horizonte,deste horizonte tão curto.Já cansei de minha terrajá cansei de meus amigose do meu tempo também.Me mostre países longes,me mostre cidades novasmulheres que não conheço.Eu já cansei de parare já cansei de pensar.Não tenho finalidades,projetos e aspirações.Eu sou sozinho sozinho.Eu quero apenas andarandar sem motivo algumpor esse mundo de Deuspra ver se encontro esse Deusque nem Deus até eu tenho.Quero fugir com vocêe vivendo só pra você ver terras que nunca vique sem você não verei.Eu lhe darei roupas novasenfeites de todo jeito.Você terá tudo enfim. HÁ UMA ALMA DOLOROSA
Eu não quero um pensamento, neste poema.Quero que ele seja puro e eternocomo este instante que passa.Qualquer subjetivismo turvará a beleza da tarde.Poderá manchá-la, qualquer pensamento.Quero conservar o crepúsculo, neste poema,ingênuo, primitivo e simples,sem que tome parte nele a alma do homem.Não, os sinos não tocam:qualquer ruído ferirá a tarde.Há uma quietação de folhas paradas,de pântanos estagnados,de espíritos suspensos.Mas vem de longe (de onde?)o som diluído de um piano,e trouxe consigo uma emoção qualquerque me veio turvar a quietude da almae trazer à tona todas as saudades,as velhas, as irremediáveis saudadesque eu desejaria conservar imóveis, imóveis,bem no fundo do ser,numa quietação de folhas paradas,de pântanos estagnados,de espíritos suspensos...Mas não me deixe aquisofrendo comigo só.Me leve para onde forsó com você sou felizsem você não sei viver.Me leve, minha poesia,me leve para onde for.1095 - HÁ UMA ALMA DOLOROSA... Newton Braga Eu não quero um pensamento, neste poema. Quero que ele seja puro e eterno como este instante que passa. Qualquer subjetivismo turvará a beleza da tarde. Poderá manchá-la, qualquer pensamento. Quero conservar o crepúsculo, neste poema, ingênuo, primitivo e simples, sem que tome parte nele a alma do homem. Não, os sinos não tocam: qualquer ruído ferirá a tarde. Há uma quietação de folhas paradas, de pântanos estagnados, de espíritos suspensos. Mas vem de longe (de onde?) o som diluído de um piano, e trouxe consigo uma emoção qualquer que me veio turvar a quietude da alma e trazer à tona todas as saudades, as velhas, as irremediáveis saudades que eu desejaria conservar imóveis, imóveis, bem no fundo do ser, numa quietação de folhas paradas, de pântanos estagnados, de espíritos suspensos... Mas não me deixe aqui sofrendo comigo só. Me leve para onde for só com você sou feliz sem você não sei viver. Me leve, minha poesia, me leve para onde for. FRATERNIDADE
É tua esta cantiga, meu irmão mendigo.Meu irmãozinho jornaleiro, bom dia.E tu, varredor de ruas, ouve esta canção.Carvoeiro, saxofonista, guarda-chaves:-é esta a oração da minha solidariedade.Não, meu irmãos, não é comício eleitoral,é o desabafo dessa onda de ternura que me invade,e transborda pelo olhos, ao pensar nas vossas vidas miseráveis,em vossas vidas anônimas em que ninguém se fixa.Bombeiro, que despertas precípite para ir ao fogo;guarda-noturno que dormitas de pé, na noite fria;linotipista que passas as madrugadas martelando as colunas dos jornais,operário que conservas o calor no forno da olaria;sertanejo que capinas aos mei-dias escaldanteseu compreendo, e, porque comporeendo, exalto o vosso heroísmo perdido,a vossa resignação quase bovina,esse jeito de sofrer a que já vos acostumastes.Eu sinto as vossas lágrimas, meus irmãos desgraçados,e me embriago convosco, e vou convosco às macumbas e aos cangarês,buscar um remédio para a minha vida e para a minha dor.Meus irmãos sem nome, meus irmãos de vida obscura e desconhecida,tendes felicidades que eu não tenho:tendes um deus que vos faz crer nele,tendes uma alma sem ambições desvairadas,tendes esperanças... tendes ilusões...E só o que eu tenho, e que vós não tendes,-que consolo triste!-é esta sensibilidade dolorosa que se comovecom misérias que âs vezes mesmo os que as carregam desconhecem,esta sensibilidade que é uma antena delicadíssima,captando pedaços de todas as dores do mundo,e que me fará morrer de dores que não são minhas.
FONTES: BRAGA, Newton. Histórias de Cachoeiro, 2ª edição. Vitória. Fundação Ceciliano Abel de Almeida/UFES/Prefeitura Municipal de Cachoeiro de Itapemirim, 1986. PACHECO, Renato. Os Braga de Cachoeiro, Vida Capixaba, Vitória, n. 613, junho de 1951.A Poesia Espírito-Santense no Século XX, organização, introdução e notas de Assis Brasil, 1998.
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